Mas você vai sozinha?
Sobre trilhar seus próprios caminhos mesmo quando o medo bate à porta
Mesa para um?
A pergunta vem em tom de pena.
Mesa para um, confirmo.
Sento à mesa com sabor de desconforto na boca, com a sensação de que todo mundo está olhando. Me pergunto por um segundo se alguém vai tirar uma foto e postar “Liberdade ou solidão?” na legenda. Mas eu fico.
E fico mais um pouco.
Resisto ao impulso de pegar o celular e me esconder dos olhares por trás da tela.
O desconforto dá lugar a uma sensação mais quente, mais leve… liberdade. Peço o que quero, como a sobremesa primeiro, escuto as conversas ao meu redor, presto atenção ao sabor da comida, balanço os ombros suavemente ao som da música ao vivo que toca no fundo e percebo que minha própria companhia é, na verdade, muito agradável.
Mas você vai sozinha?
Me fizeram essa pergunta quando eu tinha 18 anos e usei cada centavo que eu tinha no bolso para ir fazer um intercâmbio em Florença, na Itália.
Me fizeram essa pergunta quando eu tinha 22 anos e criei uma conta no Worldpackers para passar 3 meses mochilando pela República Tcheca e pela Irlanda, trocando trabalho por hospedagem e dormindo em um dormitório compartilhado com mais de 7 outras mulheres.
Me fizeram essa pergunta quando eu tinha 27 anos e fui para Lisboa sem muito dinheiro no bolso, mas com muita vontade de me aventurar no coração.
Mas e seu marido?
E seu pai?
E o medo?
E se alguma coisa ruim acontecer?
Ser mulher neste mundo é ter medo. Medo de sair de noite, de andar sozinha, de ser julgada, de não ser capaz, de não dar conta, de ser perder, do olhar do outro.
O medo é uma ferramenta eficiente de controle. Ele nos mantém obedientes. Nos mantém dóceis. Nos mantém presas em uma caixinha bem miúda, alheias a todas as possibilidades que nos esperam do outro lado.
Toda vez que fiz algo sozinha, tive medo. E não só de viajar. Já tive medo de ir ao cinema sozinha, já deixei de fazer passeios que eu realmente queria fazer porque não tinha companhia.
Mas o tempo passa. Se você está sempre esperando por outras pessoas, a vida te passa e aí é tarde demais. Então eu fui. Indo, percebi que é só enfrentando os nossos medos que a gente descobre que tem coragem.
💡Dica de leitura - Nós, Tamara Klink
O livro do mês no meu clube de leitura para mulheres foi Nós: O Atlântico em solitário. Ele conta a história de Tamara Klink, a pessoa mais jovem do Brasil a cruzar o Atlântico sozinha.
Com uma narrativa super fluida, Tamara nos leva junto consigo através do oceano em um barco pequeno e precário. Cada página do livro me lembrou dos motivos para ir. Para dizer sim. Fazia tempo que não lia uma não-ficção, mas cada página valeu a pena.
É preciso estar longe, pelo menos uma vez na vida, para descobrir o prazer de estar de volta. Para separar o supérfulo do essencial, saber quem são as pessoas que nos fazem falta. - Tamara Klink.
🎧Dê o play: Blue- Joni Mitchell
Blue foi um dos meus primeiros amores musicais. Lembro de ouvi-lo pela primeira vez e ter a sensação de que a voz suave e as letras poderosas da Joni Mitchell podiam me tirar do meu corpo e me levar para outro lugar.
Para mim, ele é um dos álbuns essenciais para ouvir pelo menos uma vez na vida e se encaixa perfeitamente no tema de coragem, solidão e liberdade da cartinha de hoje.